O justo impedimento é um instituto processual (arts. 139º e 140º do CPC – Código de Processo Civil) que pode ser definido como “o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários que obste à prática atempada do ato”, o qual legitima que o ato possa ser praticado fora de prazo (arts. 140º n.º 1 e 139º n.º 4 do CPC, respetivamente). Este instituto não aparece expressamente consagrado no CCP, enquanto instituto de aplicação genérica, uma vez que é referido apenas no âmbito das empreitadas de obras públicas (art. 304º n.º 3 do CCP) e dos documentos de habilitação (art. 86º n.º 3 do CCP).Assim sendo, é este instituto aplicável no domínio da contratação pública? Pese embora a jurisprudência nacional tenha inicialmente rejeitado a aplicação deste instituto, atualmente a resposta a esta questão não pode deixar de ser positiva (seja no domínio do procedimento administrativo, seja, em especial, no domínio da contratação pública), porque, conforme salientam a doutrina e a jurisprudência nacional, se baseia no “direito fundamental de acesso ao direito previsto no art. 20.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), correspondendo, assim, a uma verdadeira e plena consagração dos princípios da justiça e da razoabilidade, consagrados no art. 8.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), aplicáveis à contratação pública ao abrigo do disposto no art. 1.º-A, n.º 1, do CCP.” (Ponto I. do Sumário do Acórdão do TCA (Tribunal Central Administrativo) Sul de 17.03.2022, proferido no Proc. n.º 437/21.1BEALM (Relatora: Dora Lucas Neto), disponível online na página web http://www.dgsi.pt/).A aplicação do referido instituto assume particular relevância no âmbito da utilização de plataformas eletrónicas de contratação pública (art. 62º do CCP e Lei n.º 96/2015, de 17 de agosto), nas quais poderão ocorrer problemas (de natureza informática) na tramitação de um procedimento de contratação pública, como, por exemplo, na apresentação de propostas, impugnações administrativas, documentos de habilitação e, inclusive, na migração / transferência de informação do procedimento de contratação pública para o portal dos contratos públicos (https://www.base.gov.pt/).No entanto, atente-se que a aplicação do instituto está dependente de uma apreciação casuística da situação concreta, adotando-se como padrão de análise o critério do bonus pater familias, de modo a averiguar o cuidado e as diligências adotadas pelo interessado / concorrente no decurso da ocorrência desse evento impeditivo.Por último, tenha-se ainda em conta que o interessado / concorrente deve apresentar imediatamente a respetiva prova do justo impedimento (exceto quando se esteja face a factos notórios) perante a entidade a quem compete apreciar a existência do mesmo (art. 140º n.º/s 2 e 3 do CPC), que será o júri do procedimento / entidade adjudicante. Exemplificando (na medida do possível), diríamos que um concorrente que apresenta uma proposta fora de prazo com base em justo impedimento, no âmbito de um procedimento de contratação pública, deve, nessa mesma ocasião, apresentar prova da ocorrência desse justo impedimento (como, por exemplo, uma declaração que ateste a falha da plataforma eletrónica de contratação pública e/ou comprovativo dessa mesma falha, como um printscreen) e das diligências por si realizadas no decurso do mesmo (como, por exemplo, e-mails enviados nas horas antecedentes ou dias anteriores ao término do prazo de apresentação de proposta, endereçados à entidade responsável pela gestão da plataforma eletrónica de contratação pública ou para a própria entidade adjudicante a informar da impossibilidade de apresentar atempadamente a sua proposta).