A legitimidade passiva na impugnação de atos das Autoridades de Gestão de Programas Operacionais

A legitimidade passiva na impugnação de atos das Autoridades de Gestão de Programas Operacionais

Com a recente publicação do Decreto-Lei n.º 5/2023, de 25 de janeiro, que veio estabelecer o modelo de governação dos fundos europeus para o período de programação 2021-2027, esclareceu-se, entre diversas outras matérias, a questão da legitimidade passiva na impugnação de atos das autoridades de gestão dos programas operacionais, tendo-se tornado clara uma solução que a jurisprudência administrativa já vinha reconhecendo.

Com efeito, as referidas autoridades de gestão constituem estruturas de missão (às quais é aplicável, em geral, o artigo 28.º da Lei n.º 4/2004, de 15 de janeiro), conforme vem estabelecido, atualmente, no artigo 13.º, n.º1, do Decreto-Lei n.º 5/2023, mas já estava anteriormente reconhecido no artigo 19.º, n.º 8, do anterior Decreto-Lei n.º 137/2014, de 12 de setembro (na sua última versão), que estabeleceu “o modelo de governação dos fundos europeus estruturais e de investimento para o período de 2014-2020”.

Essa natureza jurídica, bem como o enquadramento particular destas autoridades na organização administrativa nacional, tem suscitado, ao longo dos tempos, diversas dificuldades a todos aqueles que pretendem impugnar atos administrativos por elas praticados, mas que têm dúvidas contra quem intentar as ações respetivas, atendendo à sua falta de personalidade jurídica e judiciária.

Tanto os particulares, como os próprios tribunais de primeira instância, hesitam frequentemente entre considerar que a parte passiva legítima deverá ser o Estado (por não conseguirem enquadrar as autoridades de gestão no âmbito de alguma área governativa, invocando, para o efeito, o regime do artigo 10.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, relativo às autoridades administrativas independentes), a própria autoridade de gestão (apesar da falta de personalidade jurídica) ou o ministério responsável, surgindo aqui também algumas dificuldades na respetiva identificação, consoante a área de atividade da autoridade em causa.

Essas dúvidas têm persistido, mesmo perante a jurisprudência que se foi formando nos tribunais administrativos superiores e que, em termos uniformes, vem reconhecendo que as autoridades de gestão de programas operacionais constituem estruturas de missão integradas na administração direta e que quem responde em juízo pelos atos por si praticados são os respetivos ministérios.

Nesse sentido, veja-se, por exemplo, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (“TCA Sul”), de 28.05.2015, proferido no processo n.º 12072/15 (disponível in www.dgsi.pt), no qual foi decidido que “Numa ação administrativa especial em que esteja em causa ato do «órgão de gestão do programa operacional factores de competitividade» deve ser demandado o Ministério em que o mesmo se integrava (o Ministério da Economia e do Emprego (…) e não o Estado Português”.

Nesta decisão, o TCA Sul, invocando outros Acórdãos, foi claro na afirmação de que a autoridade de gestão, sendo uma estrutura de missão nos termos da Lei n.º 4/2004, “para efeitos de aplicação dos critérios de apuramento da legitimidade processual passiva, não é uma pessoa coletiva de direito público, nem uma entidade administrativa independente. Logo, no caso dos presentes autos a legitimidade passiva não se afere pelo n.º 3 do artigo 10.º, mas sim pelo n.º 2 do aludido artigo, o qual dispõe que no caso do Estado deve ser demandado o ministério ao qual o órgão pertence (…)”.

Isso mesmo foi decidido em diversos outros Acórdãos, como sejam os Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte de 28.02.2014, de 17.11.2017 ou de 12.01.2018, proferidos, respetivamente, nos processos n.º 01788/09.9BEBRG, n.º 00261/16.3BEPNF e n.º 00835/14.7BEBRG (todos disponíveis in www.dgsi.pt).

Embora tratando da questão indiretamente, também o Supremo Tribunal Administrativo (“STA”), no seu Acórdão de 19.05.2016, proferido no processo n.º 01080/15 (disponível in www.dgsi.pt), considerou que quem deve ser demandado quando esteja em causa a impugnação de um ato de uma autoridade de gestão de um programa operacional, não é o Estado, mas sim o Ministério em que aquela autoridade se integre.

Aliás, está assente há muito a jurisprudência do STA que considera que estas estruturas de missão se integram na administração direta do Estado e não podem ser consideradas administração independente – nesse sentido, veja-se o Acórdão do Pleno da Secção de 4.06.2003, proferido no processo n.º 0905/02, em que ficou muito claramente afirmado que:

“A característica distintiva fundamental da administração de missão é o seu carácter temporário e não integrado nas estruturas tradicionais dos departamentos ministeriais. Fora isso, a estrutura de missão ou de projeto pertence, em sentido material e orgânico, à administração direta do Estado. Não é administração indireta, nem administração autónoma, nem exercício privado de funções materialmente administrativas.

Seja ou não recrutado de entre pessoal dirigente e seja qual for a natureza do vínculo – as tarefas de administração de missão podem ser cometidas a já titulares de cargos dirigentes, a outros altos funcionários ou a cidadãos de reconhecido mérito – o encarregado de missão não fica, com essa nomeação, constituído em entidade administrativa independente.

É, assim, possível concluir que a jurisprudência administrativa vem rejeitando a qualificação das autoridades de gestão de programas operacionais como entidades administrativas independentes e reconhecendo expressamente que se trata de estruturas de missão cuja defesa contenciosa cabe ao ministério em que se integrem ou perante o qual respondam, nos termos do n.º 2 do artigo 10.º do CPTA.

Foi, então, neste contexto que surgiu agora o regime instituído pelo artigo 15.º, n.º 7, do acima referido Decreto-Lei n.º 5/2023, que determina que “Dos atos praticados pela autoridade de gestão cabe recurso administrativo facultativo para o membro do Governo responsável pela coordenação política específica do respetivo programa, respondendo a respetiva área governativa em juízo, em caso de impugnação judicial(sem destaque no original). Ou seja, foi afirmado em termos muito claros que quem responde em juízo em caso de impugnação judicial de atos praticados pela autoridade de gestão é a respetiva área governativa coordenadora.

Afigura-se que, desta forma, poderão ficar afastadas as dúvidas que persistiam e ficará mais claro que as autoridades de gestão constituem estruturas de missão que respondem perante o membro do Governo legalmente competente, consoante a área governativa que esteja em causa, cabendo ao respetivo ministério a legitimidade passiva para responder judicialmente, em caso de impugnação.

Esta clarificação poderá contribuir para introduzir maior certeza e segurança jurídica nesta matéria e assim reduzir uma litigiosidade meramente formal e que, tantas vezes, atrasava ou impossibilitava mesmo a apreciação jurisdicional da validade de atos praticados por autoridades de gestão de programas operacionais.

André Proença