Os Códigos do IRC, do IRS e do IMT, estabelecem regras específicas referentes a transmissões onerosas de imóveis.
O Código de Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT), no seguimento, aliás, do estabelecido na antiga Sisa, consagra, no nº 1 do artigo 12º, a seguinte regra: “O IMT incidirá sobre o valor constante do ato ou do contrato ou sobre o valor patrimonial tributário dos imóveis, consoante o que for maior”, regra essa que, no entanto, tem algumas exceções estatuídas no mesmo artigo 12º do CIMT.
Essa regra do CIMT, de prevalência do Valor Patrimonial Tributário (VPT), se superior ao valor do contrato, aplica-se, também ao Imposto do Selo que incida sobre transmissões onerosas de imóveis – Tabela Geral do Imposto do Selo, nº 1.1. – na medida em que o nº 4 do artigo 9º do Código do Imposto do Selo estabelece, quanto ao valor tributável, que “à tributação dos negócios jurídicos sobre bens imóveis, prevista na tabela geral, aplicam-se as regras de determinação da matéria tributável do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT)”.
Com a Reforma da Tributação do Património feita pelo Decreto-Lei nº 287/2003, de 12 de novembro, consagrou-se, em sede de IRS e de IRC, que “(…) os valores patrimoniais tributários que servirem de base à liquidação do IMT, passam a constituir o valor mínimo para a determinação do lucro tributável, quer do IRS, rendimentos empresariais, quer do IRC (…)” – (cf. preâmbulo do Decreto-Lei nº 287/2003 de 12 de novembro).
O Código do IRC, através do referido Decreto-Lei nº 287/2003, veio estabelecer, no então artigo 58º-A (hoje, artigo 64º) que, “os alienantes e adquirentes de direitos reais sobre bens imóveis devem adotar, para efeitos de determinação do lucro tributável, nos termos do presente código, valores normais de mercado que não podem ser inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos que serviram de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) ou que serviriam no caso de não haver lugar à liquidação desse imposto” – nº 1 – acrescentando-se, no nº 2, que “sempre que, nas transmissões onerosas previstas no número anterior, o valor constante do contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel, é este o valor a considerar pelo alienante e adquirente para determinação do lucro tributável”.
No Código do IRS, o nº 2 do então artigo 42º, quanto às mais-valias resultantes da transmissão de direitos reais sobre bens imóveis, estabelecia que “(…) prevalecerão, quando superiores, os valores por que os bens houveram sido considerados para efeitos de liquidação de Sisa ou, não havendo lugar a esta liquidação, as que devessem ser, caso fosse devido”.
Na medida em que, como se viu, o Código do IMT estabelece que este imposto incide sobre o maior dos dois valores (o VPT ou o valor do contrato), da remissão constante do nº 2 do artigo 42º do Código do IRS, resultava que, também neste imposto, a tributação era feita sobre o maior dos dois valores, regra essa que hoje está estabelecida no nº 2 do artigo 44º .
O Código do IRC, quando foi alterado pelo Decreto-Lei nº 287/2003, consagrando a regra de que, se superior, na determinação do lucro tributável, prevalecia o VPT, introduziria, na mesma altura (artigo 129º, hoje artigo 139º) um mecanismo que permitia o afastamento da regra da prevalência do VPT, se superior ao valor do contrato.
Hoje, o artigo 139º do Código do IRC, expressamente estabelece a não aplicação do disposto no nº 2 do artigo 64º – portanto, a não aplicação de regra da prevalência do VPT – se o contribuinte “(…) fizer prova de que o preço efetivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis foi inferior ao valor patrimonial tributário que serviu de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis”.
A consagração desse regime, de se fazer prova de que o preço efetivamente praticado foi inferior ao VPT, encontra a sua justificação, em primeiro lugar, na proibição de existência de presunções inilidíveis nas normas de incidência (artigo 73º da Lei Geral Tributária) e, em segundo lugar, no princípio constitucional segundo o qual “a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real” (nº 2 do artigo 104º da Constituição da República Portuguesa.
Estabelecendo, como se viu, o nº 1 do artigo 139º do Código do IRC, a possibilidade de o contribuinte fazer prova “de que o preço efetivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis foi inferior ao valor patrimonial tributário”, a mesma norma estatui e regulamenta o procedimento da prova dos preços efetivos, procedimento esse que se inicia com um requerimento dirigido à Autoridade Tributária, apresentado em Janeiro do ano seguinte àquele em que ocorreram as transmissões, caso o VPT já se encontre definitivamente fixado ou nos 30 dias seguintes à data em que a avaliação se tornou definitiva, nos restantes casos.
Esse pedido tem efeitos suspensivos sobre a liquidação do imposto, na parte respeitante à diferença entre o valor do contrato e o VPT, sendo que, entre outros argumentos e ou provas, pode o contribuinte demonstrar que os custos de construção deverão acrescer aos demais indicadores objetivos estabelecidos no artigo 62º do Código do IMI.
De notar, como tem sido referido pela Autoridade Tributária, que as condições anormais de mercado são, entre outros, argumentos a serem tidos em conta.
Tem gerado interpretações divergentes o regime do nº 6 do artigo 139º do Código de IRC, segundo o qual, sendo apresentado o pedido de prova de preço efetivo na transmissão de imóveis, “a administração fiscal pode aceder à informação bancária da requerente e dos respetivos administradores ou gerentes referente ao período de tributação em que ocorreu a transmissão e ao período anterior, devendo para o efeito ser anexados os correspondentes documentos de autorização”.
Uma das interpretações divergentes diz respeito à constitucionalidade da norma, no segmento segundo o qual, o pedido de demonstração do preço efetivo de transmissão de imóveis deve ser indeferido se o contribuinte não apresentar os documentos de autorização de acesso à informação bancária dos administradores.
Recentemente, a 8 de Novembro de 2023, o Tribunal Constitucional (Acórdão n.º 749/2023, 3ª Secção, Processo nº 469/2023), manteve o entendimento já firmado em múltiplos acórdãos – entre outros, Acórdãos nºs 679/2022, 875/2022 e 177/2023 – no sentido da não inconstitucionalidade da norma, por o recurso às informações bancárias ser “um meio adequado, necessário e proporcional de controlo da fraude fiscal, o que assegura a sua conformidade constitucional” – Relator, Conselheiro Carlos Medeiros de Carvalho.
O acórdão acima citado teve um voto de vencido (Conselheiro Afonso Patrão), nos termos da declaração de vencido já pronunciada no Acórdão nº 391/2022.
O argumento do referido voto de vencido é, fundamentalmente, o de considerar que há uma restrição desproporcionada ao direito à reserva da intimidade da vida privada – e, portanto, violação do nº 1 do artigo 26º e do nº 2 do artigo 18º da Constituição – na medida em que estão em causa os dados bancários dos administradores, logo pessoas singulares.
Conforme supra referido, o Código do IRS tinha – e tem – uma disposição similar à do Código do IRC, para as transmissões de direito reais sobre bens imóveis: nestes casos “prevalecerão, quando superiores, os valores por que os bens houverem sido considerados para efeitos de liquidação de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis ou, não havendo lugar a esta liquidação, os que devessem ser, caso fosse devida” (nº 2 do artigo 44º do Código do IRC).
No entanto, ao invés do estabelecido no Código do IRC, até à Lei nº 82-E/2014, de 31 de dezembro, o Código de IRS não previa nenhum mecanismo de prova de que o valor efetivo de transação era inferior ao VPT.
O Tribunal Constitucional teve ocasião, mais de uma vez (cf. Acórdãos nºs 211/2017 e 488/2021), de considerar que, desta forma, se estabelecia uma presunção inilidível no âmbito de ganhos de mais-valias decorrentes da alienação onerosa de bens imóveis, o que consubstanciava uma violação do princípio da capacidade contributiva insisto nos artigos 103º, nº 1 e 13º da Constituição.
Com a Lei nº 82º-E/2014, de 31 de Dezembro, foram aditados os nºs 5, 6 e 7 do artigo 44º do Código do IRS, estabelecendo-se a não aplicação do regime do nº 2, isto é, da prevalência, quando superiores, dos valores considerados para efeitos de IMT – isto é, em regra, do VPT – se fosse feita prova de que o valor de venda é inferior ao VPT, aplicando-se, para efeitos dessa prova, o regime estabelecido no artigo 139º do Código do IRC.
Se, como se viu, quer no IRS quer no IRC estão consagrados mecanismos para “afastar” a presunção de que o valor real da transação do imóvel é, se superior, o VPT, a verdade é que em sede de IMT – e, por “arrastamento”, do Imposto de Selo – não existe esse mecanismo de se fazer prova de que o valor efetivo de transição é inferior ao VPT.
Sobre esta regra do Código do IMT, escreveu-se, no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 211/2017, de 2 de maio de 2017 (Relatora Conselheira Maria José Rangel de Mesquita), que o artigo 12º, nº 1 do Código do IMT “não consagra rendimentos presumidos”, já que o IMT incide sobre o património e não sobre o rendimento.
Embora com outros argumentos, na Decisão Arbitral CAAD 414/2022-T, de 21/6/2023 e na Decisão Arbitral CAAD 620/2022-T, de 14/9/2023 defendeu-se, também, que o referido artigo 12º do Código do IMT não consagra uma presunção legal, pelo que não lhe seria aplicável o estabelecido no artigo 73º da LGT, nem haveria qualquer violação do princípio da capacidade contributiva.
Entendemos, no entanto, como não aceitáveis tais entendimentos e subscrevemos os votos de vencido dos Professores Sérgio Vasques (Decisão Arbitral CAAD 414/2022-T) e Luís Menezes Leitão (Decisão Arbitral CAAD 620/2022-T) – independentemente de o artigo 12º, nº 1, do CIMT consagrar, ou não, uma presunção, ele viola o princípio constitucional da capacidade contributiva resultante do artigo 13º da Constituição.