A contratação, por ajuste direto, de bens, serviços ou obras conexos com obra ou espetáculo a adquirir pela Entidade Adjudicante. Breve Apontamento

A contratação, por ajuste direto, de bens, serviços ou obras conexos com obra ou espetáculo a adquirir pela Entidade Adjudicante. Breve Apontamento

O Código dos Contratos Públicos (CCP), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de janeiro, na sua redação atual, permite, nos seus artigos 24.º e seguintes, à entidade adjudicante, querendo, adotar o procedimento de ajuste direto, em função de critérios materiais. Isto é, escolher este procedimento com base nas circunstâncias materiais descritas nos artigos 24.º e seguintes do CCP, independentemente do seu valor, sem prejuízo de algumas exceções expressamente previstas.

Entre estes critérios materiais, consta na alínea e) do n.º 1 do artigo 24.º do CCP, a escolha do ajuste direto para celebrar contratos cujo objeto sejam prestações que “só possam ser confiadas a determinada entidade”, nas seguintes situações: a criação ou a aquisição de uma obra de arte ou de um espetáculo artístico – subalínea i); a inexistência de concorrência por motivos técnicos – subalínea ii); a necessidade de proteger direitos exclusivos, incluindo direitos da propriedade intelectual – subalínea iii).

A interpretação desta alínea e), não sendo totalmente isenta de dúvidas, tem sido, quer na doutrina quer na jurisprudência, genericamente reconduzida às hipóteses de exclusividade ou de infungibilidade, em termos de aptidão, do prestador do bem ou do fornecedor do serviço para a execução do contrato. Por exemplo, a contratação de um espetáculo de magia que, atendendo às suas especificidades, só possa ser efetuado pelo mágico X.

Adicionalmente, no que concerne aos contratos cuja prestação seja a criação ou aquisição de uma obra de arte ou de um espetáculo artístico que só possa ser confiada a uma determinada entidade, o n.º 6 do mesmo artigo 24.º do CCP, em redação introduzida pela Lei n.º 30/2021, de 21 de maio, e cujo texto não consta das diretivas comunitárias, veio dispor que estão incluídos nesses contratos “[…] todos os bens, serviços ou obras conexos com a obra ou o espetáculo a adquirir […]”. Nomeadamente os que constam das alíneas a), b) e c) deste número.

Deste modo, em termos práticos, o n.º 6 do artigo 24.º do CCP veio alargar as hipóteses de escolha do ajuste direto a outros contratos que não estavam compreendidos na alínea e) do n.º 1 deste artigo. Nas palavras do legislador, este alargamento é justificado por os bens, serviços ou obras a contratar pela entidade adjudicante serem, “conexos com a obra ou espetáculo a adquirir”. Uma extensão lógica, compreensível, de aplicação da máxima accesserium sequitur principale, sob pena de, no limite, o sucesso do procedimento do ajuste direto da obra ou do espetáculo a adquirir poder ser posto em causa ou de o procedimento da aquisição do bem, serviço ou obra conexo ser mais exigente do que o procedimento de aquisição da obra ou do espetáculo.

Retomando o exemplo anterior, imagine-se que o mencionado ilusionista, o único habilitado a proceder ao espetáculo pretendido, trabalhava exclusivamente com uma equipa de audiovisual, dado que só esta equipa tinha os conhecimentos técnicos para produzir os efeitos do espetáculo e garantia o sigilo quanto ao truques e artifícios utilizados pelo ilusionista. Nestas circunstâncias, o n.º 6 do artigo 24.º do CCP permite à entidade adjudicante a contratação desta equipa por ajuste direto.

Em nosso entender, a aplicação do n.º 6 do artigo 24.º do CCP pressupõe, em primeiro lugar, a existência de uma obra ou espetáculo a adquirir pela entidade adjudicante, e, por outro, que a referida obra ou espetáculo seja objeto de contrato a celebrar também ele por procedimento de ajuste direto. Deste modo, os bens, serviços ou obras conexos com a obra ou espetáculo a adquirir pela entidade adjudicante ou são adquiridos no mesmo procedimento de ajuste direito ou, quando muito, são objeto de um procedimento próprio, contando que antecedido de um procedimento por ajuste direto com fundamento no critério estabelecido no artigo 24.º, n.º 1, al. e).

Considerando a letra do n.º 6 do artigo 24.º do CCP, normativamente orientada para a subalínea i) da alínea e) do n.º 1, por um lado, e o facto de estar em causa uma solução de exceção ao princípio-regra de abertura à concorrência e de publicidade que, por assim suceder, conforme tem sido defendido nos nossos tribunais, deve ser objeto de uma interpretação restritiva, não será permitido à entidade adjudicante escolher o procedimento de ajuste direto para a contratação de bens, serviços ou obras conexos com a obra ou espetáculo a adquirir sempre que a obra ou o espetáculo não tenha sido objeto daquele procedimento. Teríamos apenas, em preterição do estabelecido n.º 6 do artigo 24.º um accesserium ou um procedimento contratual integralmente ad hoc.