Da dúvida e do erro na indicação da entidade demandada

Da dúvida e do erro na indicação da entidade demandada

Conforme resulta do disposto no art.º 78.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), a instância constitui-se com a propositura da ação, cabendo ao autor identificar as partes, na petição inicial.

A legitimidade passiva, em processo administrativo, encontra a sua regulamentação de base no artigo 10.ºdo CPTA.

A regra estabelecida no n.º 2 do art.º 10.º impõe que seja demandada a pessoa coletiva de direito público. Contudo, quando tenha por objeto a “ação ou omissão de órgão integrados nos respetivos ministérios ou secretarias regionais”, deverá ser demandado o ministério ou ministérios, ou a secretaria ou secretarias regionais, a cujos órgãos sejam imputáveis os atos ou omissões.

Este normativo deve ser conjugado com o disposto no artigo 8.º-A do CPTA, o qual determina, no seu n.º 3, designadamente que “os ministérios e os órgãos da Administração Pública têm personalidade judiciária correspondente à legitimidade ativa e passiva que lhes é conferida pelo presente Código.

Da articulação destes preceitos resulta que quando não seja atribuída legitimidade passiva aos ministérios ou secretarias regionais, também não têm os mesmos personalidade judiciária, até porque não têm personalidade jurídica (cf. n.º 2 do art.º 8.º-A do CPTA).

Por conseguinte, quando erroneamente demandado um ministério, a ação soçobra ao verificarem-se as exceções dilatórias de ilegitimidade passiva e falta de personalidade judiciária.

A cada formação de um novo Governo Constitucional e de aprovação de um novo diploma com o respetivo regime de organização e funcionamento, bem como de eventuais alterações que advenham no seio da Administração Pública direta e indireta, surgem dificuldades na correta identificação das entidades a demandar no contencioso administrativo.

Importa assim salientar as soluções previstas na lei processual para ultrapassar tais dificuldades.

Tendo presente a regra de dever ser demandada a pessoa coletiva pública ou o ministério ou secretaria regional, recordemos que o n.º 5 do art.º 8.º-A do CPTA, preceitua que “a propositura indevida de ação contra um órgão administrativo não tem consequências processuais, nos termos do n.º 4 do artigo 10.º”

Com efeito, dita o n.º 4 do artigo 10.º que se considera “regularmente proposta a ação quando na petição tenha sido indicado como parte demandada um órgão pertencente à pessoa coletiva de direito público, ao ministério ou à secretaria regional que devem ser demandado”.

Em conformidade, o art.º 78.º do CPTA, reportado aos requisitos da petição inicial, malgrado exigir ao autor que identifique as partes, salvaguarda no seu n.º 3 que “a indicação como parte demandada do órgão que emitiu ou devia ter emitido uma norma ou um ato administrativo é suficiente para que, nos processos com esse objeto, se considere indicada, quando o devesse ter sido, a pessoa coletiva, o ministério ou a secretaria regional, pelo que a citação que venha a ser dirigida ao órgão se considera feita, nesse caso, à pessoa coletiva, ao ministério ou à secretaria regional a que o órgão pertence.”

No mesmo sentido, o n.º 2 do art.º 82.º do CPTA garante ainda que “quando, por erro cometido na petição inicial, na hipótese prevista no n.º 3 do artigo 78.º, seja citado um órgão diferente daquele que praticou ou devia ter emitido a norma ou o ato administrativo, o órgão citado deve dar imediato conhecimento àquele que o deveria ter sido, beneficiando, nesse caso, a entidade demandada de um prazo suplementar de 15 dias para apresentar a contestação e enviar o processo administrativo, quando exista.”

Do enquadramento legal descrito resulta que, em caso de dúvida quanto à entidade na qual se integre ou à qual pertença o órgão que emitiu ou devia ter emitido uma norma ou um ato administrativo, caso o autor indique como parte demandada tal órgão, será sanada ope legis a errónea indicação.

Não obstante, a secretaria deve citar quem o autor indicou, nos termos da alínea e) do art.º 78.°/2, não cabendo ao tribunal suprir oficiosamente aquele erro atento o disposto no n.º 5 do art.º 8.º-A, art.º 10.°/4 e art.º 78.°/3 do CPTA.

O legislador optou ainda, em caso de erro no órgão demandado, por onerar o próprio órgão citado com o dever de bem encaminhar a citação para o órgão visado, desonerando no n.º 2 do art.º 82.º o autor e o tribunal dessa tarefa, com inequívocos ganhos de certeza jurídica e de tempo.

Saliente-se que estas soluções apenas vingam quando os órgãos visados pertencem à pessoa coletiva, ao ministério ou à secretaria regional que deva ser demandada. Caso deva ser demandada outra pessoa coletiva, outro ministério ou outra secretaria regional, os dispositivos em causa não são aplicáveis.

Dito isto, nem num caso nem noutro deverá ter aplicação o disposto no n.º 2, 2.ª parte, do art.º 316.º do Código de Processo Civil (CPC), conjugado com o art.º 39.º do mesmo código, aplicáveis por remissão do art.º 10.º, n.º 10, do CPTA.

Aquele normativo permite que o autor do processo possa provocar a intervenção de terceiro contra quem pretenda dirigir o pedido nos termos do art.º 39.º, ou seja, permite o chamamento à ação de réu diverso do que é demandado a título principal, “no caso de dúvida fundamentada sobre o sujeito da relação controvertida”.

Ora, prescrevendo o n.º 10 do art.º 10.º do CPTA “a aplicação subsidiária, quando tal se justifique, do disposto na lei processual civil em matéria de intervenção de terceiros”, nos casos regulados nos acima citados n.º 5 do art.º 8.º-A, n.º 4 do art.º 10.º, n.º 3 do art.º 78 ou n.º 2 do art.º 82.º do CPTA, não se justificará tal aplicação.

Com efeito, nestes casos, a solução preconizada pelo legislador em caso de dúvida foi encontrada a montante, prevenindo a necessidade de intervenção de terceiros em momento processual subsequente. Não havendo, assim, lacuna que importe suprir, por a matéria se encontrar regulada no CPTA, não terá lugar a aplicação subsidiária do CPC.

Diversamente quando deva ser demandada outra pessoa coletiva, outro ministério ou outra secretaria regional que não aquela à qual pertença o órgão citado, importa ter presente que a jurisprudência superior não se encontra ainda uniformizada quanto às consequências processuais que daí advenham (cf. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de admissão de revista, de 06.07.2023, no Proc. 0251/22.7BEPRT-S1, in www.dgsi.pt).

Oscilando entre o convite ao aperfeiçoamento da petição inicial, ao abrigo do disposto na alínea a) do art.º 87.º do CPTA e o entendimento de que, no CPTA, a ilegitimidade singular passiva constitui exceção dilatória insuprível, em paralelo com o previsto no CPC, vejam-se, a título de exemplo, respetivamente o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 10.05.2018, proferido no Proc. 1491/16.3BESNT, com voto de vencida e o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 21.12.2018, proferido no Proc. 00786/17.3BEPNF, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).