Arbitragem tributária em avaliação

Arbitragem tributária em avaliação

O alargamento do modelo tradicional de administração da justiça tributária para a arbitragem institucionalizada procurou superar a morosidade processual que corre nos tribunais estaduais e o agravamento das pendências. O caráter tardio das decisões nestes tribunais, pese o esforço de recuperação feito, prejudica tanto o Estado como os contribuintes, dado que uma decisão judicial tardia retarda a arrecadação da receita fiscal pelo Estado. No plano dos contribuintes, a lentidão descrita afeta negativamente as garantias bancárias prestadas para o efeito da suspensão de execuções fiscais e cria incerteza junto das empresas sobre o tempo estimado para a prolação da decisão, considerando a necessidade de mobilizar as provisões anuais.

Importava, de todo o modo, avaliar a atividade do CAAD – Centro de Arbitragem Administrativa que, desde 2009, opera como único centro institucionalizado autorizado a desenvolver funções arbitrais na esfera tributária. Por isso mesmo, o Instituto de Ciências Jurídico-Políticas da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, através do seu Lisbon Public Law Research Centre, elaborou um estudo sobre a arbitragem tributária[1].

Integraram a equipa de Investigação para além do signatário que coordenou os trabalhos, a Professora Doutora Maria José Rangel de Mesquita (Docente da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e Ex Conselheira do Tribunal Constitucional); o Professor Doutor Hugo Flores Professor de Direito Tributário da Universidade do Minho e dois assistentes da Faculdade de Direito de Lisboa e Consultores do JurisAPP, Dra. Mariana Melo Egídio e Dr. José Coimbra.

O estudo envolveu quatro vertentes de análise.

Uma primeira vertente, sobre a seleção e designação de árbitros, observância prática do regime de incompatibilidades e transparência de procedimentos. Numa segunda vertente, de natureza quantitativa, visou comparar-se o sentido de decisão entre ambas as jurisdições, ou seja, os tribunais administrativos e fiscais de primeira instância e os tribunais arbitrais que funcionam sob a organização do CAAD. Depois, uma terceira vertente, de feição qualitativa, procurou descortinar o impacto da arbitragem tributária, tendo em conta o efeito das suas decisões na alteração da legislação, na alteração da própria base legal de atuação da Administração Tributária e, ainda, em futuras decisões dos tribunais administrativos e fiscais. Por último, avaliou-se a evolução do investimento público nos tribunais do Estado desde que foi implementada a arbitragem tributária em Portugal, com vista a determinar um eventual efeito desta sobre aquele vetor.

Em relação aos resultados do Relatório de Avaliação da Arbitragem Tributária, sistematizado nos termos supra referidos, merecem realce as seguintes conclusões:

    1. O CAAD possui, comparativamente com outros centros de arbitragem voluntária, um regime reforçado e mais exigente de impedimentos em razão da matéria envolver interesses e dinheiros públicos;
    2. O sistema de designação dos árbitros e a sua efetiva prática concreta configuram um modelo aleatório, inspirado na distribuição processual dos juízes dos TAF, que limita a escolha das partes e estimula a independência e o distanciamento dos árbitros em relação aos sujeitos processuais;
    3. Partindo da análise de um universo de 2896 decisões com origem nos Tribunais Administrativos e Fiscais de Beja, Braga e Porto e do Tribunal Tributário de Lisboa, no período temporal de 2019 a 2022, e em comparação com o total de decisões arbitrais referentes a idêntico período, conclui-se de um modo global que na jurisdição estadual a distribuição do ganho de causa é mais equilibrada, favorecendo a Fazenda Pública enquanto na jurisdição arbitral os resultados são mais assimétricos, com maior preponderância de vencimento dos sujeitos passivos;
    4. Este desfasamento é explicável, no entendimento do signatário, por várias causas:
      1. Como a iniciativa de propositura da ação caberá sempre aos sujeitos passivos, pode suceder um efeito de triagem gerado pelos sentidos decisórios da arbitragem, ou seja, através de um incentivo a litigar em matérias cujo histórico de decisões lhes seja favorável e vice-versa;
      2. Este efeito de triagem nunca se aplica à Fazenda Pública uma vez que esta parte não tem a iniciativa de propositura da ação;
      3. A massificação do procedimento tributário potencia a ocorrência de situações de repetição de atos ilegais e, por consequência, de juízos de desconformidade jurídica;
      4. Uma parte preponderante de decisões arbitrais consiste na verificação da existência de uma similitude factual e jurídica com casos anteriormente decididos por determinadas instâncias jurisdicionais, como o STA ou o TJUE;
      5. A informação obtida sobre o sentido das decisões definitivas (transitadas em julgado) dos tribunais do Estado (dados OCDE), tendo por referência os dados recolhidos em 2021, aponta para uma taxa de sucesso da administração tributária portuguesa de 43,6%. De acordo com estes dados da OCDE, nos tribunais tributários estaduais, o Estado perde mais à medida que o processo vai subindo ao longo das várias instâncias.
    5. Ao nível da avaliação qualitativa, a jurisprudência dos tribunais arbitrais tributários tem sido relevante no plano da ordem jurídica nacional e no plano da ordem jurídica da União Europeia. No primeiro plano, destaca-se a relação com a justiça constitucional, tendo contribuído para a identificação de questões de desconformidade constitucional no âmbito da fiscalização concreta da constitucionalidade mas também por via dos recursos de constitucionalidade interpostos de decisões arbitrais em matéria tributária e consequente improcedência dos mesmos. No segundo plano, verificou-se no período estudado um total de 39 questões prejudiciais submetidas ao TJUE. Alguns destes processos revelaram de modo explicito a desconformidade do direito nacional tributário com o direito da União, dando inclusivamente origem a alterações legislativas.
    6. Por último, não se pode afirmar que a instituição e o funcionamento da arbitragem tributária tenham implicado um investimento público na justiça estadual tributária pois, pelo contrário, o que se tem verificado nos anos de convivência entre ambos os sistemas tem sido  um reforço progressivo, ainda que parcialmente imperfeito, na organização, nos recursos e nos meios normativos e materiais de suporte à atividade dos tribunais tributários.
    7. De entre as diversas recomendações que constam do Relatório, poder-se-á destacar as seguintes:
      1. A dispersão da normação do CAAD, em matéria de impedimentos dos árbitros, por vários instrumentos normativos, não favorece a objetividade e a certeza pelo que foi recomendada a consolidação de todos os atuais fundamentos de impedimento ou no Regime Jurídico da arbitragem Tributária ( RJAT) ou no Código Deontológico do CAAD;
      2. No processo de consolidação descrito importaria incorporar em matéria de impedimentos, as decisões do Conselho Deontológico que exprimem algum grau de novidade e introduzir algumas das diretrizes  sobre a mesma matéria vertidas nas listas vermelha e laranja da International Bar Association (IBA), garantindo ainda uma maior exigência no domínio das incompatibilidades;
      3. Alteração do RJAT no sentido de alargar o período de impedimento de árbitros que tenham exercido funções em órgãos de gestão de uma das partes ou funções na AT;
      4. Entendimento segundo o qual a Autoridade Tributária deveria rever procedimentos de atuação e ajustar-se mais proximamente ao teor das decisões jurisdicionais, pois para uma entidade que beneficia de uma presunção de legalidade da sua atuação, o ganho de causa da Fazenda Pública tem sido modesto, tanto nos tribunais do Estado como nas instâncias arbitrais;
      5. Admite-se, do mesmo modo, que a Autoridade Tributária possa incorporar na sua atuação a posição do STA, em sede de recurso interposto de decisão arbitral tributária nos termos do RJAT, no sentido da uniformização de jurisprudência.

    [1] https://www.caad.org.pt/files/documentos/relatorios/ICJP_CIDP_LPL_Relatorio_CAAD.pdf

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