Natureza da ratificação obrigatória dos planos diretores municipais

Natureza da ratificação obrigatória dos planos diretores municipais

Durante muitos anos, o Governo assegurou o controlo da validade (pelo menos da validade) da programação urbanística municipal através da ratificação obrigatória dos planos municipais (primeiro, artigo 16º do Decreto-Lei nº 69/90, de 2 de março e, depois, artigo 80º do Decreto-Lei nº 380/99, de 22 de setembro).

O Decreto-Lei nº 316/2007, de 19 de setembro (que alterou o Decreto-Lei nº 380/99, de 22 de setembro) veio reservar para a ratificação governamental o papel de ultrapassagem das divergências entre disposições constantes do plano diretor municipal, em fase final de tramitação, e planos ou programas de âmbito nacional ou regional vigentes (regime que, no essencial, se mantém no artigo 91º do Decreto-Lei nº 80/2015, de 14 de maio).

O instituto da ratificação-confirmação dos planos municipais foi objeto de amplo debate doutrinal (e, marginalmente, jurisprudencial) tendo por pano de fundo o âmbito da tutela administrativa exercida pelo Governo sobre as autarquias locais.

O recente acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 9 de fevereiro de 2023, relativo ao Processo nº 0718/09.2BEAVR (revista), em que foi relatora a Conselheira Maria do Céu Neves e participaram os Conselheiros Cláudio Monteiro e José Fonseca da Paz, retoma o tema da natureza da ratificação-confirmação dos planos diretores municipais, num sentido que me parece adequado e clarificador.

A ratificação-confirmação dos planos municipais (em regra, dos planos diretores municipais), não tem natureza normativa ou regulamentar: corresponde, tão só, a um ato integrativo da eficácia das disposições do regulamento do plano municipal.

Assim, a recusa de ratificação de uma disposição normativa que constava do regulamento de um plano diretor municipal não determina, só por si, o estabelecimento de uma regra de conteúdo oposto ao conteúdo da norma a que foi recusada ratificação.

No caso concreto, o Governo recusou ratificar uma disposição de um plano diretor municipal que permitia a construção nos designados espaços praia existentes e espaços praia potenciais, numa faixa de 100 metros, a contar da linha máxima de praia-mar de águas-vivas e equinociais.

Ponderando o fundamento da recusa de ratificação, o Supremo Tribunal Administrativo conclui que o objetivo percetível é a limitação da construção de novos edifícios que inutilizem o solo em zona de costa e não a proibição da realização de obras de alteração em edifícios existentes, que não agravam o dano que a respetiva construção possa ter causado à zona costeira (do acórdão parece resultar, mesmo, um juízo crítico das razões invocadas da resolução do Conselho de Ministros para recusar a ratificação).

Para além disso, o princípio da proteção do existente (artigo 60º do Decreto-Lei nº 555/99, de 16 de dezembro) salvaguarda a realização de obras de alteração, que não comportem inovação, em edifícios cuja localização era admissível, e foi admitida.

Neste contexto, o indeferimento de um pedido de licenciamento de obras de alteração de edifício existente não se pode validamente fundamentar, só e tão só, na resolução do Conselho de Ministros que recusou a ratificação da disposição do plano diretor municipal que permitia a construção nos espaços praia existentes e espaços praia potenciais, numa faixa de 100 metros, a contar da linha máxima de praia-mar de águas-vivas e equinociais.

Tendo em conta este raciocínio, a Senhora Conselheira relatora elaborou o seguinte sumário para o acórdão:

«O nº 2 da RCM nº 66/95 limita-se a não ratificar o PDM de Ovar na parte em que admite a construção nos espaços praia existentes e espaços praia potenciais numa faixa de 100 metros, mas não estabelece uma proibição de construção nessa faixa».

O acórdão referenciado constitui um importante contributo para a discussão sobre a natureza do instituto da ratificação-confirmação dos planos diretores municipais e seus limites. Numa perspetiva mais ampla, contribui ainda para a delimitação da fisionomia da reserva municipal de definição do regime do uso do solo.

António Duarte de Almeida