O Regulamento Ecodesign –  Uma revolução silenciosa?

O Regulamento Ecodesign –  Uma revolução silenciosa?

Foi publicado a 13 de junho de 2024, no Jornal Oficial da União Europeia, o Regulamento (UE) 2024/1781 que “estabelece um regime para a definição de requisitos de conceção ecológica dos produtos sustentáveis”. Ao contrário de outros atos normativos dedicados à implementação do Pacto Ecológico Europeu, como foi o caso do Regulamento do Restauro da Natureza ou outros que nem chegaram a ser adotados, este Regulamento – conhecido na gíria como “Regulamento Ecodesign” – foi aprovado sem suscitar grandes objeções ou comoção na opinião pública. Contudo, é um ato com um potencial transformativo no sentido da sustentabilidade ambiental e impacto significativo na economia europeia.

Apesar de as atenções mediáticas e políticas estarem hoje focadas sobretudo na redução líquida de emissões de gases com efeito de estufa e em outros aspetos relativos a alterações climáticas, os obstáculos à sustentabilidade ambiental da nossa economia são muito mais estruturais do que a dependência carbónica na produção de energia. O modelo económico vigente tem raízes profundas na sobreexploração de recursos naturais. Apenas em 2015 começou a ser equacionado como objetivo, no contexto da União Europeia, um crescimento económico não inteira e diretamente dependente do aumento consistente da exploração de recursos naturais, seja através da sua integração em produtos (e.g., mineração, desflorestação), do descarte de substâncias e materiais (e.g., emissões para o ar ou água, aterros sanitários), ou da utilização de capacidades produtivas naturais (e.g., agropecuária, energia). Dissociar o crescimento económico da utilização de recursos, garantindo a competitividade, é, agora, o objetivo central do Plano de Ação para a Economia Circular apresentado pela Comissão Europeia em 2020.

É neste contexto que se integra o Regulamento Ecodesign. Através de um diversificado conjunto de instrumentos jurídicos, determina-se que, com algumas poucas exceções, a introdução de qualquer produto ou serviço no mercado europeu vai depender do cumprimento de requisitos de conceção ecológica. Estes requisitos de conceção ecológica podem referir-se a variadíssimos aspetos (artigo 5.º) como durabilidade, reparabilidade, reutilizabilidade, reciclabilidade, possibilidade de manutenção e de recondicionamento dos produtos, utilização de produtos químicos perigosos, eficiência energética e na utilização de recursos naturais, ou a produção de resíduos. É ainda de sublinhar que estas dimensões se referem não apenas ao produto ou serviço em si (e.g., um telemóvel ou um fornecimento de serviços de iluminação), mas também ao processo produtivo, incluindo a respetiva cadeia de abastecimento (e.g., a matéria-prima utilizada ou eficiência energética e hidráulica do processo produtivo).

A primeira parte substancial do Regulamento (Capítulo II, dos artigos 4.º a 8.º) é dedicada à habilitação da Comissão para adopção de atos delegados de definição dos requisitos de conceção ecológica por grupos de produtos, num procedimento que deverá ser aberto e participado. Prevê-se, inclusivamente, a possibilidade autorregulação, ou seja, que seja o próprio setor a apresentar uma proposta de requisitos de conceção ecológica (artigo 21.º). Em qualquer dos casos, os requisitos têm de ser fixados de uma forma que permita o controlo através de requisitos de desempenho (artigo 6.º), como por exemplo níveis mínimos e máximos de parâmetros.

Contudo, aos parâmetros de desempenho somam-se ainda os requisitos de informação (artigo 7.º). De facto, a almejada circularidade nos processos produtivos depende da existência de informação fidedigna e completa destinada a diferentes tipos de consumidores – seja o consumidor empresarial que pretende integrar um produto ou resíduo no seu próprio processo produtivo, seja o consumidor final que quer comprar devidamente informado quanto aos seus direitos e à sua pegada ecológica. Por este motivo, o Capítulo III do Regulamento Ecodesign versa sobre o Passaporte Digital do Produto (artigos 9.º a 15.º) e o Capítulo IV sobre Rótulos (artigos 16 e 17.º). Criam-se, assim, dois mecanismos distintos que providenciam informação sobre sustentabilidade do produto com o nível de detalhe adequado a cada tipo de consumidor. O Passaporte Digital do Produto é sempre obrigatório para a colocação no mercado; o  Rótulo sê-lo-á apenas quando esteja previsto no ato da Comissão que regule os requisitos para o produto em causa. A regulação da aposição de rótulos destinados ao consumidor final com alegações de sustentabilidade está relacionada com uma outra proposta de Diretiva, ainda em procedimento legislativo, sobre fundamentação e comunicação de alegações ambientais explícitas, com o objetivo de combater o branqueamento ecológico.

A Comissão Europeia deverá agora iniciar um longo procedimento de definição de prioridades, planeamento e consulta na implementação do Regulamento Ecodesign (artigos 18.º a 22.º). Contudo, o Regulamento definiu desde logo alguns setores como prioritários, como ferro e aço, alumínio, têxteis, em especial vestuário e calçado, mobiliário, incluindo colchões, pneus, detergentes, tintas, lubrificantes, produtos químicos, produtos relacionados com o consumo de produtos das tecnologias da informação e comunicação e outros equipamentos eletrónicos.

Entre vários outros instrumentos jurídicos previstos no Regulamento, é de destacar um relevante acervo de deveres de informação dos operadores, a adjudicação de contratos públicos ecológicos (artigo 65.º), a proibição de destruição de certo tipo de produtos (Anexo VII), a obrigatoriedade de definição de métodos de ensaio, medição e cálculo, e a criação dos organismos de avaliação da conformidade.

Aguarda-se, portanto, pela forma como a Comissão virá a dar corpo a este instrumento com o potencial de configurar uma lenta mudança estrutural a favor da sustentabilidade ambiental da economia europeia.