Intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, autorização de residência e legitimidade passiva

Intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, autorização de residência e legitimidade passiva

Conforme noticiado pela comunicação social, vêm sendo intentadas intimações para a proteção de direitos, liberdades e garantias, por parte de cidadãos estrangeiros, cujos pedidos de autorização de residência se encontram pendentes junto da Agência para a Integração, Migrações e Asilo, I.P. (AIMA, I.P.)

Diversas intimações têm sido indistintamente intentadas contra o Ministério da Administração Interna, o designado ministério dos Assuntos Parlamentares e a Presidência do Conselho de Ministros, aparentemente em resultado de o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, entretanto extinto, se tratar de um serviço da administração direta do Estado, na dependência do Ministro da Administração Interna. E do facto de a AIMA, I.P., que lhe sucedeu em determinadas competências, se encontrar sob superintendência e tutela da Ministra dos Assuntos Parlamentares (no XXIII Governo Constitucional) e do Ministro da Presidência (no XXIV Governo Constitucional).

Neste contexto, convém primeiro notar que:

  • não existe qualquer “Ministério dos Assuntos Parlamentares”, enquanto departamento da administração direta do Estado e não se encontra cometida ao Ministro dos Assuntos Parlamentares a direção de qualquer ministério. Tanto mais que o Ministro dos Assuntos Parlamentares é apoiado pela Presidência do Conselho de Ministros (cfr. n.º 7 do art.º 13.º do Decreto-Lei n.º 32/2024, de 10 de maio, que aprova a orgânica do XXIV Governo Constitucional).
  • o Ministro dos Assuntos Parlamentares não exerce quaisquer poderes relativamente à AIMA, I.P., cabendo atualmente ao Ministro da Presidência exercer a superintendência e tutela sobre a AIMA, I.P. (cfr. al. c) do n.º 8 do art.º 14.º do Decreto-Lei n.º 32/2024, de 10 de maio);

Atento o n.º 1 do art.º 10.º do CPTA, uma ação deve ser intentada contra a outra parte na relação material controvertida ou entidade/s titular/es de interesses contrapostos aos do autor, cabendo aos autores/requerentes identificar a entidade competente a ser demandada e citada, no pressuposto da existência de uma relação jurídica entre as partes ou da verificação de um interesse da contraparte em evitar a procedência da ação. Nos processos intentados contra entidades públicas, parte demandada é a pessoa coletiva de direito público (n.º 2 do art.º 10.º do CPTA).

Nos termos legais, os pedidos de autorização de residência devem ser formulados junto do instituto público com competência na matéria, a AIMA, I.P. Com efeito, em regra e nos termos gerais do artigo 81.º, n.º 1, da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, qualquer pedido de autorização de residência deve ser apresentado junto da AIMA, I. P., a quem compete a decisão e instrução do pedido (v. art.º 82.º da mesma lei).

Sendo a AIMA, I.P. um instituto público, com personalidade jurídica e personalidade judiciária (ao contrário do que sucedia com o SEF, que era um serviço da administração direta sob direção do MAI), será a AIMA, I.P. ser a única parte corretamente demandada nas sobreditas intimações (cfr. n.º 2 do art.º 10.º do CPTA).

Aliás porque, como se referiu, os poderes de superintendência e tutela do membro do Governo relativamente à AIMA, I.P. não se traduzem em competências administrativas em processos de concessão de autorização de residência concretos (salvo norma atributiva de competência ao membro do Governo, o que atualmente é excecional e está expressamente definido na Lei de estrangeiros – art.º 113.º). Ou seja, não se afigura possível a condenação da Presidência do Conselho de Ministros a promover atos de agendamento, instrução ou decisão em processos de autorização de residência, razão pela qual os tribunais de primeira instância vêm – e bem – decretando a ilegitimidade passiva da Presidência do Conselho de Ministros, determinando a respetiva absolvição da instância (cfr. n.º 2 do art.º 89.º do CPTA).