A cessação de funções governativas e a atividade em empresas privadas

A cessação de funções governativas e a atividade em empresas privadas

A Lei n.º 52/2019, de 31 de julho aprovou o regime do exercício de funções por titulares de cargos políticos e altos cargos públicos, ali se inserindo os membros do Governo, estabelecendo designadamente (i) o regime de exercício de funções; (ii) as incompatibilidades; (iii) as garantias inerentes ao exercício de funções; (iv) os impedimentos; (v) o regime após a cessação de funções; (vi) o quadro sancionatório e (vii) as obrigações declarativas.

O regime aplicável após a cessação de funções dos membros do Governo encontra-se especificamente regulado no art.º 10.º da sobredita Lei n.º 52/2019, de 31 de julho, o qual determina que os titulares de cargos políticos de natureza executiva – como é o caso dos membros do Governo – estão sujeitos a restrições no exercício de funções, após a cessação da atividade governativa. Esta restrição ao exercício de uma atividade ou função após a cessação da titularidade de cargo político constitui o que se poderá designar por uma “incompatibilidade sucessiva”, como sugere Pedro Costa Gonçalves.

Em concreto, nos termos do art.º 10.º da Lei, os titulares de cargos políticos de natureza executiva não podem exercer, pelo período de três anos contado a partir da data da cessação do respetivo mandato, por si ou através de entidade em que detenham participação, funções nas seguintes empresas privadas:

  1. empresas privadas que prossigam atividades no setor diretamente tutelado pelo membro do Governo e que, no período do mandato, tenham sido objeto de operações de privatização;
  2. empresas privadas que prossigam atividades no setor diretamente tutelado pelo membro do Governo e que tenham beneficiado de incentivos financeiros ou de sistemas de incentivos e benefícios fiscais de natureza contratual;
  3. empresas privadas que prossigam atividades no setor diretamente tutelado pelo membro do Governo, relativamente às quais se tenha verificado uma intervenção direta do titular de cargo político.

Naturalmente que o alcance da expressão setor diretamente tutelado não se reconduz à “tutela administrativa” e, desse modo, às entidades relativamente às quais o membro do Governo exerceu poderes de fiscalização ou controlo e até de alguma intervenção (sancionatória, por ex., que se identifica no direito positivo, ao abrigo de tutela).

Em rigor, a menção à tutela de um setor parece reportar-se à área relativamente à qual o ministro “formula, conduz, executa e avalia” políticas, portanto a sua área governativa. É o domínio de atividade relativamente ao qual exerce competências e no qual atuam entidades de natureza diversa, nomeadamente empresas privadas.

Especificamente quanto às empresas privadas relativamente às quais teve intervenção direta, através de atos praticados enquanto membro do Governo, será de entender que a restrição abrange também o exercício de competências “conjuntamente”ou “em coordenação” entre membros do Governo, tal como previsto nos mais recentes regimes de organização e funcionamento (como o Decreto-Lei n.º 32/2022, de 9 de maio), pois configura uma intervenção direta do titular do cargo político (simplesmente partilhada, entre dois membros do Governo competentes). Em abstrato e na ausência de vicissitudes na formação da vontade colegial, serão de excluir as empresas privadas do setor tutelado exclusivamente abrangidas por atos do Conselho de Ministros, na medida em que a vontade será imputável ao órgão colegial e não ao membro do Governo que o integra.

A título de exceção, a lei expressamente afasta ainda destas restrições o regresso à empresa ou atividade exercida à data da investidura no cargo (cfr. n.º 2 do art.º 10.º).

De notar que a alusão a “funções” quanto à atividade vedada abrangerá qualquer tipo de atividades profissionais a exercer, onerosa ou gratuitamente, nas empresas referidas no n.º 1 do art.º 10.º da Lei n.º 52/2019, de 31 de julho, aí se incluindo órgãos sociais, contratos de trabalho ou contratos de prestação de serviços, por exemplo.

No plano internacional, o n.º 4 do art.º 10.º da Lei n.º 52/2019, de 31 de julho igualmente veda a possibilidade de os titulares de cargos políticos de natureza executiva exercerem, pelo período de três anos contado a partir da data da cessação do mandato, quaisquer funções de trabalho subordinado ou consultadoria em organizações internacionais com quem tenham estabelecido relações institucionais em representação da República Portuguesa. A lei exceciona, no entanto, no n.º 5 do art.º 10.º, o exercício de funções: (i) nas instituições da União Europeia; (ii) nas organizações do sistema das Nações Unidas; (iii) decorrentes de regresso a carreira anterior; (iv) em caso de ingresso por concurso; (v) em caso de indicação pelo Estado Português ou em sua representação.

O regime sancionatório da Lei n.º 52/2019, de 31 de julho abrange o membro do Governo que cessou funções e a entidade que o contrate. Nos termos dos números 3 e 4 do art.º 11.º, a infração ao disposto no artigo 10.º determina: (i) para o antigo titular de cargo político, a inibição para o exercício de cargos políticos e de altos cargos públicos por um período de três a cinco anos; (ii) para as entidades que contratem antigos titulares de cargos políticos em violação do regime, a proibição de beneficiarem de quaisquer incentivos financeiros ou de sistemas de incentivos e benefícios fiscais de natureza contratual por um período de três a cinco anos.

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