1. A complexa disciplina jurídica do espaço marítimo nacional
O Estado exerce poderes de autoridade de geometria variável sobre o espaço marítimo nacional. A Constituição (CRP) defere para a lei a extensão e limites das águas territoriais, da Zona Económica Exclusiva (ZEE) e direitos aos fundos contíguos e ao fazê-lo aceita por força do seu nº 2 e 4 do art.º 8º que as convenções internacionais de que Portugal é parte e o direito europeu condicionem a legislação interna para a qual a CRP remete.
Logo à partida, a delimitação do referido espaço e o exercício de poderes estaduais de autoridade esta deve respeitar a convenção de Montego Bay (CNUDM) sendo que a exploração dos recursos biológicos do mar foi incorporada pelo art.º 2º-B do Tratado de Lisboa como competência exclusiva da União, no âmbito da política comum de pescas.
De acordo com a Lei nº 33/77, de 28 de maio, o espaço marítimo[1] abrange as “águas territoriais”, ou seja, o “Mar territorial”, ou território marítimo “hoc sensu” que consiste nas águas marítimas adjacentes à costa com a largura de 12 milhas marítimas, sobre o qual o Estado exerce direitos de soberania.
Nos termos do art.º 33º da Convenção de Montego Bay o Estado exerce, ainda, alguns poderes de autoridade, no domínio da fiscalização e prevenção, na chamada “Zona Contígua” ao mar territorial, até ao limite de 24 milhas contadas a partir da linha de base daquele.
Há ainda a considerar a ZEE, uma área marítima que se estende por 200 milhas para além do Mar territorial (nº 1 do art.º 2º da Lei nº 33/77) na qual o Estado exerce direitos de gozo e fruição para fins de exploração e conservação de recursos naturais, sem prejuízo do disposto no direito europeu e os direitos de navegação e sobrevoo por outros Estados.
Finalmente destaca-se Plataforma Continental[2] que compreende o leito e subsolo das águas subaquáticas e que se estendem, com uma largura variável, além do mar territorial, em regra, até à distância de 200 milhas e uma profundidade de 200 metros ou mais e sobre os quais o Estado, nos termos dos art.º 76º e 77º da CNUDM, exerce direitos de exploração de recursos naturais. A alínea c) do nº 1 do art.º 2º da Lei nº 17/2014, de 10 de abril, que aprova as “Bases da Política de Ordenamento e de Gestão do Espaço Marítimo Nacional” integra no “espaço marítimo nacional” a “Plataforma continental, incluindo para além das 200 milhas marítimas.”
2. Realização de pesquisas científicas por navios estrangeiros no espaço marítimo nacional
A realização de pesquisas científicas em território nacional por navios estrangeiros é uma realidade recorrente[3].
Podem navios Estrangeiros, operando por conta de outros Estados ou sendo privados, mas atuando sob a bandeira de outros estados realizar pesquisas científicas no espaço marítimo nacional?
Sobre esta questão, cinco apontamentos breves.
1º. O Estado Português como Estado costeiro têm competência para disciplinar juridicamente e autorizar a atividade de investigação científica no seu mar territorial, ZEE e Plataforma Continental não estendida (artºs 245º e 246º da CNUDM).
2º. Estados estrangeiros e embarcações estrangeiras que realizem investigação científica em território nacional estão sujeitos a regras do Direito português, nos termos da CNUDM e devem formular um pedido de autorização.
3º. Os Estados estrangeiros são responsáveis pelo incumprimento de normas internas ou por danos causados no espaço marítimo nacional por parte de navios cujo pedido de autorização para realizar investigação científica no mesmo espaço marítimo tenha sido tramitado pelos seus serviços diplomáticos, observando-se o disposto no art.º 31º e no nº 5 do art.º 41º; nos nºs 1 e 2 do art.º 235º; e nº 1 do art.º 263º da CNUDM.
4º. Nos casos expostos, o Estado estrangeiro, salvo convenção ou contrato em contrário, goza de imunidade em face da jurisdição portuguesa, devendo a ação de responsabilidade assumir natureza internacional e ser julgada pelo Tribunal Internacional do Mar ou por jurisdições arbitrais.
5º. Excecionalmente os tribunais portugueses podem responsabilizar o Estado Estrangeiro junto da sua jurisdição quando o Estado português e o Estado estrangeiro tenham acordado em convenção internacional, em contrato público, ou compromissos equiparáveis a um compromisso contratual, que o segundo aceita expressamente o levantamento da sua imunidade de jurisdição. O Estado Estrangeiro tão pouco gozará de imunidade caso se registe a morte, ofensas à integridade física ou danos imputados a agentes de um Estado estrangeiro com um nexo causal com embarcação estrangeira que realize investigação científica no mar territorial português, salvo convenção em contrário.
Finalmente, os tribunais portugueses podem responsabilizar diretamente o Estado estrangeiro quando navios de propriedade ou explorados por Estado Estrangeiro e que não sejam navios de guerra ou auxiliares, exerçam atividades diferentes das de investigação científica, salvo convenção em contrário.
Nestes casos excecionais, no que respeita a condenação ao pagamento de indemnização por danos causados o foro nacional competente, salvo melhor opinião, será do Tribunal Marítimo, nos termos das alíneas a) e o) do art.º 4º da Lei nº 35/86, de 4 de setembro.
6º. No plano procedimental existe alguma ambiguidade sobre o regime legal vigente em matéria de autorização. O Decreto-Lei nº 52/85, de 1 de março, disciplinou esta matéria, mas foi sucedido pelo Decreto-Lei nº 278/87, de 7 de julho, que revogou as disposições do diploma anterior que o contrariassem. Sendo clara a revogação em matéria de pescas, pode considerar-se, eventualmente como não revogadas as normas sobre autorizações para investigação científica.
O XXIII Governo Constitucional deu nota da aprovação de um Decreto-Lei[1] que intentou clarificar o regime autorizativo, regulando as atividades de investigação científica marinha realizadas por entidades não nacionais no espaço marítimo nacional. Todavia o diploma não foi promulgado, quanto se tenha conhecimento.
[1] Cfr. Representação gráfica: https://www.dgrm.pt/am-ec-zonas-maritimas-sob-jurisdicao-ou-soberania-nacional
[2] A Constituição não utiliza a fórmula “plataforma continental” mas, de acordo com a doutrina o termo “fundos marinhos contíguos” correspondem tendencialmente, à noção de “plataforma continental” regulada na Convenção de Montego Bay .
[3] Cfr Jaime Ferreira da Silva “Os Cruzeiros sob Investigação Científica Estrangeiros nas Zonas Marítimas sob Boberania ou Jurisdição Portuguesas” “Revista de Ciências Militares”, III, 1, 2015, p. 251 e seg https://comum.rcaap.pt/bitstream/10400.26/36305/1/Os%20cruzeiros%20de%20investiga%C3%A7%C3%A3o%20cient%C3%ADfica%20…%20%28por%29_Jaime%20Silva.pdf
Relatório da Autoridade Marítima Nacional https://www.amn.pt/DGAM/Documents/CRUZEIROS%20CIENT%C3%8DFICOS.pdf
[4] https://www.portugal.gov.pt/pt/gc23/comunicacao/comunicado?i=aprovado-decreto-lei-que-regula-as-atividades-de-investigacao-cientifica-marinha-realizadas-por-entidades-nao-nacionais-no-espaco-maritimo-nacional