O artigo 84.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) tem como epígrafe “Domínio público”.
Estabelece na alínea a) do seu n. º1 que “1. Pertencem ao domínio público: a) As águas territoriais com seus leitos e os fundos marinhos contíguos, bem como os lagos, lagoas e cursos de água navegáveis ou flutuáveis, com os respectivos leitos;”.
Neste contexto, via de regra, a construção e exploração de barragens, em território nacional, ocorre sob regime de concessão.
Com efeito, nos termos do n.º 1 do artigo 30.º do Regime Jurídico do Património Imobiliário Público, Decreto-Lei n.º280/2007, de 7 de agosto : “1 – Através de acto ou contrato administrativos podem ser transferidos para particulares, durante um período determinado de tempo e mediante o pagamento de taxas, poderes de gestão e de exploração de bens do domínio público, designadamente os de autorização de uso comum e de concessão de utilização privativa.”.
Tal significa, necessariamente, a existência de contrapartidas, a favor do Estado, prestadas pelas entidades concessionárias encarregues da exploração dos recursos[1] hídricos, provenientes de águas territoriais.
Não sendo possível efetuar tal exploração sem o recurso a infraestruturas criadas para o efeito, as empresas concessionárias encontram-se sujeitas ao pagamento de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) e Imposto do Selo (IS).
Nos termos do n.º1 do artigo 1.º do Código de Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), “O imposto municipal sobre imóveis (IMI) incide sobre o valor patrimonial tributário dos prédios rústicos e urbanos situados no território português, constituindo receita dos municípios onde os mesmos se localizam”.
Ao passo que, “(…) O imposto do selo incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstas na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens.” (cfr. n. º1 artigo 1.º do Código de Imposto Selo, CIS).
No que respeita à tributação das barragens em sede de IMI e IS, a problemática de tem vindo a assentar na inexistência de consenso, quanto ao regime de avaliação e classificação do conjunto de infraestruturas, edifícios de suporte e das próprias estruturas de retenção de água, como imóveis, para efeitos de cálculo do seu valor patrimonial tributário (VPT), (cfr. artigo 7.º do CIMI e do artigo 13.º e seguintes do CIS).
Sendo o valor patrimonial tributário, critério fundamental na determinação do montante a liquidar, a aparente falta de uniformização do regime de avaliação tem originado uma forte contestação, quer por parte das empresas concessionárias, como pelos Municípios.
Não sendo este o local para uma análise das posições adotadas quanto a este critério, certo é que, assumir a necessidade de alteração legislativa, será, também, assumir a falta de clareza da lei e a inexistência de fundamento para exigir a liquidação de imposto, relativo a anos anteriores.
Ora, a tributação das barragens não é, contudo, feita apenas de IMI e IS. As empresas concessionárias encontram-se igualmente sujeitas ao regime geral de pagamento de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), existindo, no entanto, especificidades relacionadas com o setor da produção energética.
As empresas que operam este tipo de infraestruturas, encontram-se, adicionalmente, sujeitas à liquidação de derrama[2] municipal (cfr. artigos 18.º e 18.º – A, do Regime Financeiro das Autarquias Locais e das Entidades Intermunicipais, aprovado pela Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro, RFALEI) e estadual (cfr. artigos 87.º – A e 104.º – A, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, CIRC),
Este tributo é aplicado sob o lucro tributável obtido pelas empresas, quando superior ao valor estabelecido nos artigos 18.º do RFALEI e 87-A do CIRC, e do qual se ressalva a particularidade de, no caso da derrama municipal, os Municípios possuírem autonomia para a definição da taxa a aplicar, até ao limite legalmente estabelecido. Tal arbítrio terá, claramente, como consequência a existência de regimes fiscais mais ou menos vantajosos, em função do município em que se localize a sede ou um estabelecimento estável da empresa.
Face à utilização de recursos hídricos nas barragens para produção de energia hidroelétrica, esta atividade encontra-se, igualmente, sujeita ao pagamento de taxa ambiental – a Taxa de Recursos Hídricos (TRH).
Nos termos do n.º2 do artigo 4.º da Lei Geral Tributária (LGT) “2 – As taxas assentam na prestação concreta de um serviço público, na utilização de um bem do domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares.”
Concretamente, implementada pela Lei da Água[3], com vista a assegurar a transposição da Diretiva n.º 2000/60/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Outubro, o pagamento da TRH visa, não só, a existência de uma compensação financeira pelo uso privativo dos recursos e da ocupação do domínio publico hídrico, como, também, incluí uma componente compensatória pelo impacto ambiental da atividade.
Repare-se que, não obstante a produção de energia hidroelétrica não se encontrar sujeita ao pagamento de Imposto Especial de Consumo (IEC)[4], assistiu-se à criação de uma contribuição especifica sobre o sector energético, pela Lei do Orçamento do Estado para 2014, cujo regime tem vindo a ser anualmente alterado e a sua vigência sucessivamente prorrogada, em sede de Lei do Orçamento do Estado.
A Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético (CESE), é aplicada a determinadas empresas que laboram nos subsetores de eletricidade, gás natural e petróleo, sendo a receita proveniente da sua aplicação consignada ao financiamento de mecanismos promotores de sustentabilidade na área.
Constata-se que, a CESE surgiu com um caráter transitório e, face às suas finalidades, de natureza extrafiscal. O prolongamento de uma medida que se afigurava temporária, originou a inexistência de um consenso quanto à classificação e natureza jurídica deste tributo.
Em causa está, o enquadramento desta contribuição no artigo 3.º da LGT: “1 – Os tributos podem ser: a) Fiscais e parafiscais; b) Estaduais, regionais e locais.; 2 – Os tributos compreendem os impostos, incluindo os aduaneiros e especiais, e outras espécies tributárias criadas por lei, designadamente as taxas e demais contribuições financeiras a favor de entidades públicas.; 3 – O regime geral das taxas e das contribuições financeiras referidas no número anterior consta de lei especial.”
Verifica-se que, se a doutrina compreende tratar-se de um imposto ou contribuição especial, a jurisprudência divide-se entre o entendimento de esta consistir numa contribuição extraordinária, ou de verificar-se uma impossibilidade de enquadramento em qualquer uma das classificações previstas na LGT. O que colocaria, necessariamente, em causa o princípio da legalidade fiscal (vide artigo n.º2 do art.103.º da CRP).
O Tribunal Constitucional debruçou-se sobre a inconstitucionalidade do regime jurídico da CESE, pela primeira vez, no seu Acórdão n.º 7/2019, de 8 de janeiro , tendo concluído que este não se afigurava inconstitucional, por se tratar de uma contribuição financeira e, portanto, sujeita ao princípio da equivalência.
Veja-se “(…) Assim, quer porque o critério escolhido pelo legislador para delimitar a base subjetiva e objetiva da CESE não é totalmente desligado da finalidade que com a contribuição financeira se procura realizar, quer porque o critério definidor do montante não é manifestamente injusto, flagrante e intolerável (Acórdão n.º 640/1995), não se deverá afastar as normas em causa. Não haverá, em suma, como se conclui pelo que fica dito, violação dos princípios da equivalência e da proporcionalidade. (…)”[5].
Não obstante tal decisão, recentemente, o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 338/2024, de 23 de abril, decidiu que “(…) A dívida tarifária do setor elétrico não foi provocada pelos sujeitos passivos em causa, “[…] nem a sua redução beneficia o conjunto dos operadores integrados neste setor de modo efetivo ou direto – antes constituindo, quando muito, um benefício presumido a partir de determinadas contingências (…) pelo que (…) não há motivo algum para fazer correr por conta das empresas [detentoras de centros eletroprodutores com recurso a fonte renovável] encargos associados à redução da dívida tarifária do setor elétrico. Nem há razão nenhuma para supor que a prevenção dos riscos associados à instabilidade tarifária no setor elétrico aproveita em especial medida aos operadores dos demais subsetores (…)”.
Em face ao exposto, o Tribunal Constitucional declarou inconstitucional a norma patente no Regime Jurídico da Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético, que prevê a incidência subjetiva deste tributo sobre centros electroprodutores com recurso a fontes de energias renováveis, por violação do princípio da igualdade (cfr. art.13.º da CRP)[6].
[1] Quanto ao regime da utilização dos recursos hídricos, vide Decreto-Lei n. º226-A/2007 de 31 de maio.
[2] Tributo sobre o lucro tributável, que seja sujeito e não isento de IRC, obtido por pessoas coletivas residentes em território português e que aqui exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, ou obtido por pessoas coletivas não residentes que tenham em Portugal um estabelecimento estável.
[3] Complementariamente, vide Lei de Bases do Ambiente.
[4] Engloba, nos termos do artigo 1.º do Código dos Impostos Especiais de Consumo: a) O imposto sobre o álcool, as bebidas alcoólicas e as bebidas adicionadas de açúcar ou outros edulcorantes (IABA); b) O imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos (ISP); e, c) O imposto sobre o tabaco (IT).
[5] Acórdão n.º 7/2019, de 8 de janeiro;
[6] Quanto a esta temática, vejam-se os seguintes acórdãos do Tribunal Constitucional; Acórdão n.º101/2023, de 27 de abril; Acórdão n.º 196/2024, de 12 de março; e Acórdão n.º197/2024, de 12 de março
Deixe um comentário